Aos 16 anos todos os meus amigos da escola já haviam beijado alguém e eu, na insegurança de inexperiente em beijos de língua, ainda não tinha nem pegado na mão das pessoas que me interessavam.
Meus amigos não sabiam disso, eu dizia a eles que eu beijava todas as meninas do meu bairro no interior da Bahia e que lá eu era conhecido como “o pão de mel das menininhas” (foi o melhor que eu consegui inventar), às vezes eu até borrava os batons vermelhos da minha mãe na boca para deixar as histórias mais convincentes. Eles acreditavam. Pelo menos, fingiam acreditar.
Esse quadro passou a mudar depois da segunda semana de outubro de 2010. No dia anterior tinha olhado todas as páginas encontradas pelo Google sobre como beijar alguém e pus em prática inclusive as técnicas das meninas para abandonar a vida de BV (boca virgem). Ouvi escondido perto das janelinhas do banheiro feminino, a gente aprende muito quando frequenta esses lugares.
Tentei pegar 28 uvas com a língua no fundo do copo (acabei cansando e comendo todas elas), tentei o beijo na mão, no espelho, chupei 15 laranjas e descobri que 14 delas não eram doces, vi 8 vídeos no Youtube de alguns casais se entregando em calorosos beijos enquanto me perguntava porque ninguém tinha pensado em fazer um vídeo filmando o que acontece dentro da boca. Ora, eu já sabia o que acontecia fora, o medo que eu tinha era de não saber fazer o que acontecia dentro. Como eu ia mexer a língua? Como a língua da outra pessoa ia mexer com a minha?
Eu tinha marcado uma semana antes com ele pra me preparar psicologicamente. Ah, eu não falei dele, não foi? Ele é tão doce que abelhas poderiam raptá-lo a qualquer momento. Seus cabelos negros caiam nos ombros, os olhos tinham extremidades rebaixadas e o sorriso era o mais contagiante de todo o mundo; nunca conheci ninguém com tanto alto astral, Lucas parecia respirar alegria.
Certo, você deve ter caído da cadeira depois de ter descoberto que eu não gosto de meninas. Deve ter achado também que eu sou muito corajoso por tê-lo escolhido para realizar o meu primeiro beijo numa época em que a adolescência gritava que pênis e vaginas tinham de se atrair por obrigação.
Sempre notei que nossos olhares se cruzavam de forma diferente. Havia um querer estar perto que ultrapassava os nossos assentos na sala de aula. O pontapé inicial se deu na aula de física quando Lucas me mandou um papelzinho amassado. “Eu sei que você pode sentir o mesmo que eu”, assim estava escrito. Abri o jogo, conversamos e marcamos um dia para “estudar” na casa dele.
Sai de casa uma hora antes do combinado. No caminho, pensei em desistir de dois em dois segundos, no intervalo desse pensamento desejo e curiosidade moviam-me em direção a casa dele. Não consegui julgar se era certo ou errado o que estava prestes a fazer, eu só queria acabar de vez com aquilo.
Toquei a campainha, trêmulo, mas procurei fingir ser a pessoa mais natural do mundo. A mãe dele atendeu a porta e eu me senti sujo, provavelmente ela não sabia que em pouquíssimos minutos eu beijaria o filho dela na boca. E de língua!
Lucas desceu as escadas, veio me cumprimentar todo sorridente. Meu coração estava batendo tão forte que podia senti-lo queimar, arder; e mais! Poderia encher uma caixa d’água só com o suor das minhas mãos, eu estava nitidamente tenso, travado.
Subir as escadas até o quarto dele foi torturante, as pernas fraquejavam a cada degrau. “Calma, você está muito nervoso, até parece que nunca beijou alguém na vida”, disse Lucas rindo enquanto subíamos a escadas. “Vou te contar uma novidade então: eu nunca fiz isso na vida, está satisfeito?” pensei em resposta, mas ao invés disso, sorri timidamente.
Sentei na cama e ele sentou ao meu lado. Olhamos-nos quietos por horas (na verdade, foram 30 segundos), ele passou a mão no meu rosto bem devagar, começando pelos cabelos e descendo com as pontas dos dedos até o queixo, retribui o carinho pegando em sua mão e acariciando-a com a mesma velocidade. Sem demora, Lucas puxou o meu corpo contra o dele e percebi que nossos rostos estavam juntos, bem próximos... Tão próximos que podia sentir sua respiração ofegante exalando um leve cheiro de chiclete de menta, ele devia ter mascado algum antes de eu chegar.
Lucas se aproximou deslizando o nariz no meu e pela primeira vez pude sentir a boca de alguém tocar a minha. Senti toda a leveza da sua boca e apesar de não ter mau hálito, os dentes amarelados não escondiam a sua aproximação com o cigarro.
Ah, descobri também o que se faz com a língua dentro da boca! A princípio senti um pouco de nojo, é muita saliva, tem que enroscar a língua, é difícil descrever. Agora eu sei o porquê de ninguém conseguir me explicar esse processo. Na verdade, o que não da pra explicar é a sensação. Senti-me próximo de tudo o que é bom, de tudo o que é bonito. Senti uma paz descomunal, estava confortável ali e queria poder não sair dali nunca mais. Tempos mais tarde descobri que isso só funciona com quem se gosta de verdade.
Lucas e eu nos beijamos mais algumas vezes e três meses depois do ocorrido ele saiu da cidade com a família, desde então nunca mais o vi. Em mim ficou só a lembrança de um bom momento, uma experiência marcante, um nervosismo incontrolável e um primeiro beijo inesquecível.