segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Uno!



Jogávamos. Era cada um por si.
Nossas cartas tinham de ser iguais, da mesma cor. Se não da mesma cor, do mesmo número. O meu número... ou o seu, quem sabe.
Passava das quatro da tarde, o jogo agora era com o olhar. A disputa se resumia em “quem olha primeiro?”.
Olhei calmamente. Joguei a carta de inverter, queria um olhar também.
E quando retribuiu, senti que seus olhos estavam confortáveis nos meus. Mas ainda havia mágoa. Então, jogo a carta de “pular a vez”. É tão difícil assim esquecer quando alguém pisa na bola com você? É.
Como tudo precisa de uma resposta, você lançou a carta coringa e me deu a liberdade de escolha. “E então, o que vai escolher?”, diziam seus olhos que em nenhum momento me pareceram silenciosos.
Eu pensei, abaixei a cabeça, cocei a orelha e não respondi, foi quando tive que escolher entre duas cartas: a da decisão e a da saudade.
 Joguei a carta da decisão para o alto e optei por ficar com a saudade.
“Uno!”, eu disse firme. E estava só.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Talvez


Ela queria tê-lo fitado com o olhar, não conseguiu levantar ao menos o rosto. "Droga", dizia fumando um cigarro que já estava quase lhe queimando os dedos. 
Era demais aquilo, era demais a ousadia de amar alguém tão inalcançável. Mas pensando bem, se não houvesse ousadia, talvez nem fosse amor.
Ela queria ter beijado os lábios, ter provado do bom veneno que devia ter aquele gosto e ter sentido a textura do bigode, mas ele era o seu padrasto.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Anotações sobre a morte.


Eu não conhecia o padrinho do meu pai até o dia de sua morte.
Cheguei perto do caixão; Vi um par de olhos velhos, fechados, a barba branca não escondia a sua experiência e as mãos juntas sobre a barriga nos davam a impressão de descanso daquele corpo que devia estar beirando os 80 anos, não sei ao certo.
O caixão de madeira estava enfeitado com flores e um grande véu transparente para que todos pudessem dar um último adeus ao professor de português, ao amigo, ao paroquiano, ao padrinho e outras tantas nomeações.

O enterro saía rumo à igreja enquanto um carro de som tocava "Eu quero apenas", de Roberto Carlos. Talvez fosse a música preferida dele ou talvez a igreja tenha escolhido a canção.
A rua por onde o caixão passou parecia cobrir-se de cinza, o sentimento de tristeza de cada pessoa ali presente parecia ser cinza, estava nublado, frio e tenso, assim como o céu daquela tarde.
“Já reparou que quando morre uma pessoa de bem chove?”, minha mãe comentava; e quem sabe não era verdade? No dia anterior e no dia seguinte do falecimento o dia estava ensolarado, justamente nesse dia choveu. Talvez Deus realmente comemore quando pessoas de bem se juntam a ele no céu.
Gosto da parte do enterro em que o falecido recebe a benção na igreja. Primeiro, porque a gente se livra de ter o que dizer pra confortar quem está sofrendo (eu nunca soube o que dizer, sempre preferi chegar quieta e abraçar) e segundo, porque eu sempre gostei muito do teto de lá, é azul com estrelas e cometas dourados de metal, acho que não comentei que eu gosto muito do céu.

Enquanto ouvia o padre falar uma mulher esbarrou em mim molhando minha mão com uma gota das suas lágrimas. Já chorei em enterros por muitos motivos: porque estava com saudade, porque vi os outros chorando, porque me arrependi de não ter pedido desculpas; perguntei-me qual seria o motivo dela.
Enfim, chegamos ao ponto final de todo enterro, seria o enterro de fato, não fui lá ver a terra cobri-lo, nunca gostei de ver, meus pais também não foram. De longe ouvi apenas os aplausos de despedida a um bom homem.
“A morte é sempre uma oferta dolorosa”, foram as palavras que eu guardei do padre; e nós temos tão pouco tempo... Por isso vou te fazer um pedido, mas não vou te pedir pra tentar ser feliz, perseguir a felicidade não vai te fazer feliz tão cedo, eu vou fazer melhor, vou te pedir apenas pra viver.



terça-feira, 10 de julho de 2012

A felicidade na percepção de Schopenhauer




Num estudo sobre Arthur Schopenhauer, filósofo alemão (1788-1860), achei uma expressão que se iguala a minha verdade sobre essa busca incessante da raça humana pela felicidade. “É mais feliz aquele que consegue viver sem grandes sofrimentos do que o outro que vive cercado de alegrias e prazeres. (...) O tolo vive perseguindo a alegria da vida e acaba ludibriado, enquanto o sábio procura evitar o mal”.
A linha pessimista (realista) do pensador só foi reconhecida nos últimos anos de sua vida, apesar de toda a potência cultural que carregava.
Para a filosofia schopenhaueriana, o homem seria essencialmente vontade, desejo. Por desejar sempre mais, passaria a ser movido por insatisfações constantes, o que resulta no ponto inicial do texto.
Talvez você, que lê esse texto agora, tenha parado um pouco para refletir se existe realmente uma felicidade lá na frente, uma felicidade plena e alcançável ou talvez pense que é impossível ser feliz, que a felicidade contínua não existe e que esse pensamento é uma representação de mundo ilusória.
Desviar dos obstáculos ou mesmo enfrentá-los; o sofrimento, os erros são fatores indispensáveis ao amadurecimento da personalidade do ser humano, é a etapa que antecede a aprendizagem.
 “A infelicidade é a norma”, é a regra geral.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Percepções sobre o primeiro beijo


Aos 16 anos todos os meus amigos da escola já haviam beijado alguém e eu, na insegurança de inexperiente em beijos de língua, ainda não tinha nem pegado na mão das pessoas que me interessavam.
Meus amigos não sabiam disso, eu dizia a eles que eu beijava todas as meninas do meu bairro no interior da Bahia e que lá eu era conhecido como “o pão de mel das menininhas” (foi o melhor que eu consegui inventar), às vezes eu até borrava os batons vermelhos da minha mãe na boca para deixar as histórias mais convincentes. Eles acreditavam. Pelo menos, fingiam acreditar.

 Esse quadro passou a mudar depois da segunda semana de outubro de 2010. No dia anterior tinha olhado todas as páginas encontradas pelo Google sobre como beijar alguém e pus em prática inclusive as técnicas das meninas para abandonar a vida de BV (boca virgem). Ouvi escondido perto das janelinhas do banheiro feminino, a gente aprende muito quando frequenta esses lugares.
 Tentei pegar 28 uvas com a língua no fundo do copo (acabei cansando e comendo todas elas), tentei o beijo na mão, no espelho, chupei 15 laranjas e descobri que 14 delas não eram doces, vi 8 vídeos no Youtube de alguns casais se entregando em calorosos beijos enquanto me perguntava porque ninguém tinha pensado em fazer um vídeo filmando o que acontece dentro da boca. Ora, eu já sabia o que acontecia fora, o medo que eu tinha era de não saber fazer o que acontecia dentro. Como eu ia mexer a língua? Como a língua da outra pessoa ia mexer com a minha?
Eu tinha marcado uma semana antes com ele pra me preparar psicologicamente. Ah, eu não falei dele, não foi? Ele é tão doce que abelhas poderiam raptá-lo a qualquer momento. Seus cabelos negros caiam nos ombros, os olhos tinham extremidades rebaixadas e o sorriso era o mais contagiante de todo o mundo; nunca conheci ninguém com tanto alto astral, Lucas parecia respirar alegria.
Certo, você deve ter caído da cadeira depois de ter descoberto que eu não gosto de meninas. Deve ter achado também que eu sou muito corajoso por tê-lo escolhido para realizar o meu primeiro beijo numa época em que a adolescência gritava que pênis e vaginas tinham de se atrair por obrigação.
Sempre notei que nossos olhares se cruzavam de forma diferente. Havia um querer estar perto que ultrapassava os nossos assentos na sala de aula. O pontapé inicial se deu na aula de física quando Lucas me mandou um papelzinho amassado. “Eu sei que você pode sentir o mesmo que eu”, assim estava escrito. Abri o jogo, conversamos e marcamos um dia para “estudar” na casa dele.
Sai de casa uma hora antes do combinado. No caminho, pensei em desistir de dois em dois segundos, no intervalo desse pensamento desejo e curiosidade moviam-me em direção a casa dele. Não consegui julgar se era certo ou errado o que estava prestes a fazer, eu só queria acabar de vez com aquilo.
Toquei a campainha, trêmulo, mas procurei fingir ser a pessoa mais natural do mundo. A mãe dele atendeu a porta e eu me senti sujo, provavelmente ela não sabia que em pouquíssimos minutos eu beijaria o filho dela na boca. E de língua!
Lucas desceu as escadas, veio me cumprimentar todo sorridente. Meu coração estava batendo tão forte que podia senti-lo queimar, arder; e mais! Poderia encher uma caixa d’água só com o suor das minhas mãos, eu estava nitidamente tenso, travado.
Subir as escadas até o quarto dele foi torturante, as pernas fraquejavam a cada degrau. “Calma, você está muito nervoso, até parece que nunca beijou alguém na vida”, disse Lucas rindo enquanto subíamos a escadas. “Vou te contar uma novidade então: eu nunca fiz isso na vida, está satisfeito?” pensei em resposta, mas ao invés disso, sorri timidamente.
Sentei na cama e ele sentou ao meu lado. Olhamos-nos quietos por horas (na verdade, foram 30 segundos), ele passou a mão no meu rosto bem devagar, começando pelos cabelos e descendo com as pontas dos dedos até o queixo, retribui o carinho pegando em sua mão e acariciando-a com a mesma velocidade. Sem demora, Lucas puxou o meu corpo contra o dele e percebi que nossos rostos estavam juntos, bem próximos... Tão próximos que podia sentir sua respiração ofegante exalando um leve cheiro de chiclete de menta, ele devia ter mascado algum antes de eu chegar.
Lucas se aproximou deslizando o nariz no meu e pela primeira vez pude sentir a boca de alguém tocar a minha. Senti toda a leveza da sua boca e apesar de não ter mau hálito, os dentes amarelados não escondiam a sua aproximação com o cigarro.
Ah, descobri também o que se faz com a língua dentro da boca! A princípio senti um pouco de nojo, é muita saliva, tem que enroscar a língua, é difícil descrever. Agora eu sei o porquê de ninguém conseguir me explicar esse processo. Na verdade, o que não da pra explicar é a sensação. Senti-me próximo de tudo o que é bom, de tudo o que é bonito. Senti uma paz descomunal, estava confortável ali e queria poder não sair dali nunca mais. Tempos mais tarde descobri que isso só funciona com quem se gosta de verdade.
Lucas e eu nos beijamos mais algumas vezes e três meses depois do ocorrido ele saiu da cidade com a família, desde então nunca mais o vi. Em mim ficou só a lembrança de um bom momento, uma experiência marcante, um nervosismo incontrolável e um primeiro beijo inesquecível.


quinta-feira, 31 de maio de 2012

Considerações sobre o ônibus e a filosofia da cordinha


Não era só uma cordinha de ônibus, seus aproximados 5,4m de comprimento estavam ali com um minúsculo propósito: parar.
Lá estava ela e a sua aparente insignificância diária, cheias de micro cordinhas entrelaçadas, unidas, formando uma corda maior e consequentemente dificultando a quebra. Parece até aquela coisa de “juntos venceremos”, principalmente se tratando do lugar onde se encontra: o ônibus.
“Ô.ni.bus Subst. Masc. 2 núm. Veículo automóvel para transporte público de passageiros [...]” assim define o dicionário Aurélio. E põe passageiros nisso!
Aquele grande treco cheio de mobilidade pode carregar trilhões de pessoas... E quando eu digo trilhões é claro que eu estou exagerando, mas sinceramente, às 7h da manhã, quem pega ônibus para trabalhar vai ter essa mesma impressão; logo, são “trilhões de pessoas” puxando a corda, sentando e levantando o tempo inteiro com uma cara de sono de dar dó, se esfregando uns nos outros, apertados como em uma lata de sardinha e chegando ao seu destino gotejando de suor.
Apesar de ser detestável circular por aí de ônibus, todos podemos evoluir como seres humanos dentro dele exercitando a paciência com o próximo. Quando não é alguém vestido de palhaço te dando o bom dia mais desgraçadamente feliz do universo pedindo alguns trocados (detalhe: eu acordo de mau humor), é uma criança chorando desesperadamente e incessantemente no colo da mãe que pouco faz questão de acabar ou pelo menos amenizar o choro do filho.
Hoje me deparei com um sujeito engraçado no ônibus, era um rapaz que aparentava ter trinta anos. Um tanto arrumado, cabelo engomado, sapato engraxado e roupa social (o crachá do lugar onde trabalhava balançava em seu pescoço e não escondia seu nome nem sua função), tinha a cara de executivo e suas mãos estavam escondidas dentro do bolso. Após sua entrada, o ônibus acelerou, e as suas mãos ainda sim permaneciam no bolso, quando ousava retirar, parecia evitar ao máximo tocar em qualquer lugar do veículo e se apoiava com as costas, com os cotovelos ou mesmo com os ombros. A dificuldade em se equilibrar sem usar os membros superiores era um desafio exaustivo, o que era perceptível no suor que escorria em sua testa e nas manchas umedecidas já visíveis em sua camisa, mesmo assim, as mãos permaneciam lá, dentro do bolso, imóveis.
Todos dentro do ônibus haviam notado sua postura e olhavam para ele com o mesmo desdém que ele olhava os demais, era notório que ele tinha nojo do ônibus e tinha certo receio com relação às pessoas que nele estavam. Pensei que talvez ele fosse um daqueles maníacos por limpeza que pensa que suas bactérias são mais nocivas e menos contagiosas que a de qualquer outra pessoa.  Perguntava-me a todo instante como ele faria para puxar a tão inevitável cordinha e indicar que deseja descer do ônibus sem usar as mãos. Não saciei minha curiosidade, desci do ônibus antes que ele completasse o seu trajeto.
Andar de ônibus tem sido assim: muita gente estranha, muito estresse, muito aperto... MUITO no seu mais alto nível de intensidade. Se às 7h da manhã foi assim, imaginem a volta para casa às 18h.
O ônibus atrasou 40min do seu horário de chegada e mais uma vez chegou lotado. Eu quase não conseguia segurar em algum apoio, o vento mal circulava, as portas rangiam toda vez que se abriam, as cadeiras mesmo riscadas e desconfortáveis eram acirradamente disputadas e a catraca nunca (eu disse NUNCA) parava de girar.
O som agudo e repetitivo da cordinha do sinal era o aviso de que o motorista sem dó de nenhum de nós faria uma brusca freada no ponto mais próximo jogando-nos uns contra os outros, como em um liquidificador.
Parei para analisar a cordinha do ônibus (sim, eu parei em meio aquele inferno todo). Ela e toda a sua aspereza talvez significassem mais que o óbvio de todos os dias.
Uma pessoa me disse uma vez que as coisas ficam mais bonitas quando damos sentido a elas. Assim, eu dei sentido a cordinha e fiz uma analogia com as escolhas que fazemos, representando-as pelos pontos de ônibus distribuídos pela cidade; a cordinha representaria a decisão das escolhas e eu, o que move a decisão.
É preciso parar na escolha certa, frear naquilo que a felicidade pede pra decidir e mesmo que os obstáculos, conflitos e estresses (representados pelo ônibus) queiram mudar o foco, o que te faz melhor é ter a certeza de que se continuar sem desviar e a sua escolha for correta, você pode se realizar com a opção escolhida.
Todos os dias opções nos são apresentadas. Cabe a nós decidir sobre elas e puxar a cordinha de parada (talvez possamos parar na escolha que nos leve além), mesmo que para isso tenhamos que pegar alguns ônibus lotados no meio do caminho, porque deixar as coisas mais bonitas não é fazer com que as dificuldades protagonizem a nossa vida, e sim, fazer das barreiras um detalhe.  

Cinthia Machado
Larissa Porto
Eliakim Batalha